terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Vem pra rua por serviço público de qualidade


Por Igor Corrêa Pereira*

Eu vou comentar aqui uma pesquisa que foi divulgada pelo IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que entrevistou quase 4 mil pessoas em 217 cidades brasileiras perguntando quais suas prioridades, e essa pesquisa revelou que saúde e educação são as principais prioridades dos brasileiros.

Eu sei que tem muita gente querendo interpretar a voz das ruas desde que ocorreram as famosas manifestações de junho, todo mundo acha que sabe qual é o motivo das manifestações, mas essa é uma primeira pesquisa que realmente investigou as vontades populares pós-junho.

Os resultados foram muito claros: a melhoria dos serviços de saúde foi a opção assinalada como prioridade por 87,64% dos 3.810 entrevistados. Uma educação de qualidade foi indicado por 72,97%. Anseio por um governo honesto e atuante foi assinalado por 59% dos participantes da pesquisa. Outras questões como melhores oportunidades de trabalho e proteção contra a violência também foram apontadas.

Saúde e educação: prioridade dos brasileiros
Eu comento esses resultados, porque os servidores públicos federais lançaram sua campanha salarial agora dia 22 de janeiro com o slogan “Jogando Juntos a Gente Conquista, Serviço Público Padrão FIFA”, e esse slogan tem muita sintonia com o anseio da população por saúde e educação de qualidade. Afinal de contas, para que a saúde e a educação atendam o conjunto da população, elas precisam ser públicas. Também é necessária valorização de quem trabalha com esse atendimento, ou seja, dos profissionais da saúde e profissionais da educação, não é mesmo? Então, a reivindicação dos servidores tem muita sintonia com a reivindicação da população.

Mas se a população e os servidores querem saúde e educação de qualidade, porque não tem aumento de investimento suficiente nessas áreas?

Para entrar nesse debate, novamente os números são necessários. Foi divulgado o orçamento da União para 2014, que é em torno de 2 trilhões e 400 bilhões. Dessa grana toda, que é toda a grana do governo, cerca de 30% desse montante, ou seja 654,7 bilhões serão usados para o refinanciamento da dívida pública. Isto quer dizer que um terço de todo o dinheiro do povo vai para bolso de banqueiro, pra pagar uma dívida que já se arrasta a décadas e nunca é paga.

Vamos pensar um pouco. Tem muita gente dizendo que o problema de não ir recurso pra educação e saúde é que tem a Copa do Mundo. Acontece que foram investidos na Copa 26 bilhões, e esses recursos nem são do montante da União, a maioria é empréstimo que vai ser devolvido. E ademais, dos gastos da Copa, apenas oito bilhões vão para construção de estádio, o resto vai pra segurança, infraestrutura, aeroporto, ou seja, vai pra estrutura que fica nas cidades. Então que papo é esse de que o problema é a Copa?

Não vejo ninguém falando do verdadeiro problema, que consiste no fato de quase um terço de todo o orçamento da União ser destinado a banqueiro. Enquanto meia dúzia de  engravatados e endinheirados sugam uma boa parte do dinheiro do nosso país, tem gente esperando na fila do SUS e professor com salário de fome.

Penso que a hora é de ir todo mundo pra rua de novo, reivindicar a inversão dessa lógica. Garantir que serviço público de qualidade não sejam prioridades só da população. O governo precisa espelhar os anseios da população, não do capital financeiro. Se os brasileiros querem saúde e educação, que se cumpra. O poder emana do povo, e banqueiro não é povo, sendo assim, que se aprove o Plano Nacional da Educação, 10% dos recursos líquidos da receita da União pra saúde e que se valorize os trabalhadores do serviço público, dando política salarial permanente com data base. Que se faça, sem medo de ser feliz.

É esse diálogo que os Servidores públicos querem fazer com a sociedade. Vem pra rua pra garantir o Brasil dos nossos sonhos, com serviço público de qualidade pra todos. O Brasil tem dinheiro para isso, a questão é política, e só com muita pressão a gente vai fazer o país avançar. Vem pra rua.

* Igor Corrêa Pereira é da direção estadual da CTB/RS e direção da Assufrgs sindicato

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Por que a campanha "eleições limpas" é importante?

Aldo Arantes (OAB), argumenta que financiamento de campanha por empresas é inconstitucional, porque a Constituição estabelece que "todo o poder emana do povo" e empresa não é povo.
Por Igor Corrêa Pereira*

Aldo da Silva Arantes, presidente da UNE na Campanha da Legalidade em 1961 e deputado federal nota 10 na Constituinte, parece ter uma energia inesgotável. Nesse Fórum Social Temático em 2014, lançou seu livro "Alma em Fogo", debateu cidades justas e sustentáveis (já foi secretário do meio ambiente em Goiás), mas sua principal bandeira atual tem sido a da reforma política. Discorreu sobre o tema em dois espaços no FST, defendendo uma mobilização em torno da causa semelhante a que foi a da "Diretas Já" no final dos anos oitenta. O advogado comunista é da comissão nacional de mobilização da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para o projeto de lei Eleições Limpas. O projeto de lei conta com apoio das centrais sindicais e UNE, além da CNBB, e pretende atacar principalmente o sistema de fianciamento eleitoral.

A OAB entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) sobre o financiamento de campanha. Segundo informações de Aldo Arantes, a ADIN já recebeu 4 votos favoráveis no Supremo Tribunal Federal (STF). Arantes conta que o deputado Henrique Fontana (PT/RS), prestando depoimento perante o STF, denunciou que os gastos gerais da campanha eleitoral de 2002 foram de 827 milhões de reais e na eleição de 2010 de 4 bilhões e 900 milhões, o que é um crescimento escandaloso. A ADIN da OAB, portanto, baseia-se num argumento simples: "financiamento de campanha por empresas é inconstitucional, porque a Constituição estabelece que 'todo o poder emana do povo' e empresa não é povo". Ao financiar candidatos, as empresas distorcem o sistema representativo. Uma minoria (empresários) são representados pela maioria dos políticos, enquanto que o cidadão comum (não-empresários, a maioria da população), consegue eleger uma ínfima parcela dos representantes.
Não ao financiamento de campanhas por empresas!
Contra aqueles que refutam a ideia de restrição do financiamento de empresas com o argumento de que financiamento público seria uma forma de financiar corruptos com o dinheiro do povo, Arantes afirma que o atual sistema é que se trata de financiamento de corruptos com dinheiro do povo. "O empresário que faz financiamento privado por meio de 'caixa dois' recebe através do superfaturamento de obras, e de muitos outros mecanismo, um volume de recursos muitas vezes maior do que sua 'doação' de campanha", rebate. Ou seja, quando uma empresa investe milhões em candidaturas, recebe o retorno ilícito em licitações superfaturadas. No atual sistema eleitoral, portanto, se apresenta o verdadeiro financiamento público da corrupção.

 Para o representante da OAB, o projeto de lei pode inclusive ser aprovado ainda para as eleições de 2014, mas precisa pra isso de muita pressão popular. "No congresso nós temos uma pequena parcela de deputados de esquerda, e outra pequena de direita. Esses são ideológicos, dificilmente mudam suas opiniões. A maioria contudo está no centro, vai de acordo com a pressão popular. Se houver clamor das ruas, eles se unem às causas democráticas e progressistas. Por isso que se houver uma mobilização popular suprapartidária semelhante a que foi a das Diretas, semelhante as manifestações de junho de 2013, pedindo eleições limpas, esses deputados cederão e aprovarão esse projeto de lei", argumenta Aldo Arantes.

Tendo tudo isso em vista, quando coloco na balança essa causa da reforma política contra o financiamento de campanhas eleitorais por empresas, em comparação a pauta "não vai ter Copa", eu não consigo ter dúvida de qual é mais relevante para responder à crise de representatividade. Pensem comigo por apenas uns minutos: se o problema é descrença nas instituições representativas, não é lógico que a mobilização deve ser para combater as causas da corrupção? Sendo assim, para que serve "não ter Copa"?

Pode servir a uma direita saudosa de voltar ao comando do país, assim como a uma esquerda que alimenta a ilusão de construir uma alternativa inviável eleitoralmente. Ao restante dos brasileiros, penso que a bandeira avançada, capaz de aprimorar a jovem e falha democracia nacional, seja a bandeira da reforma política, que passa pelo projeto Eleições Limpas.

A voz das ruas precisa clamar alto denunciando a verdadeira roubalheira deste país: o fato de que a grana das empresas "compra" candidatos eleitos e portanto determina  o que será ou não será aprovado. A corrupção se combate atacando os corruptores.

Sim à Reforma Política Democrática!

Sim à ampliação da representação popular nas instâncias de poder!

Não ao financiamento de campanha por empresários!

Não à compra de votos e de parlamentares!


*Igor Corrêa Pereira e diretor de juventude da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil  (CTB) do RS e coordenador de imprensa da ASSUFRGS.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Copa do Mundo para além da Torre de Babel

Charge de Latuff ironiza escolha de mascote para a Copa do Mundo pelo prefeito Fortunatti em Porto Alegre: crítica implícita não pode ser classificada como "fascista" ou "coxinha"
As críticas a Copa do Mundo não podem ser colocadas num ambiente maniqueísta, como se toda e qualquer reivindicação fosse parte de um plano da oposição para derrubar o governo. Aliás, nem mesmo a "oposição" é um bloco homogêneo, assim como o governo também não é. Como poderia se esperar que as manifestações em torno do tema "Copa do Mundo" tenham qualquer homogeneidade?

Existem múltiplos interesses que às vezes se unem, às vezes se chocam. Essa é a beleza da complexidade social. Existe a mídia hegemônica, aquela famosa dominada por meia dúzia de famílias, muito simpática a ideia do quanto pior melhor. Não é a toa que a Folha de São Paulo estampa um editorial intitulado "Não vai ter Copa", bandeira que não poderia ser mais falsa. Dá pra acreditar que a mídia realmente quer acabar com um evento onde vai faturar bilhões? Dá pra realmente acreditar que esteja a mídia preocupada com um país melhor? Derrotar o governo é seu principal objetivo, a eles interessa um governo mais manipulável e dócil (ainda) a seus interesses. Afinal, Lula e Dilma ainda não enfrentaram seus interesses, mas bem que tentaram e sempre podem tentar, Venezuela e Argentina estão aí como um exemplo ameaçador aos interesses do monopólio midiático. Esse risco eles não querem correr.

Existe a miríade de grupos que se situa de alguma forma na oposição ao governo e está atuando nos movimentos sociais na perspectiva da esquerda. Há uma diversidade bem grande nesse setor. Rotulá-los simplesmente de "coxinhas" ou "fascistas", como o fazem alguns sinceros defensores do governo, é simplificar a realidade de uma maneira estranha a dialética. Aqui situam-se partidos que vão do PCO ao PSB, passando pela REDE da Marina. E tem os não-partidários. Dá pra encontrar alguma homogeneidade nisso tudo? A diversidade é tão grande que só na categoria "mascarado" há a opção dos anonymous e a dos black blocks, que são propostas completamente diferentes. Estamos falando de uma Babel de propostas, interesses, aspirações.

Não precisa muito esforço para apreender preocupações legítimas vindas dessa diversidade de críticas só em relação ao tema "Copa do Mundo". Não tem nada de "coxinha" ou "fascista" a preocupação com deslocamentos e reassentamentos de populações urbanas decorrentes de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. O Diretor da Escola de Educação Física da UFRGS, Alberto Reppold Filho, que dificilmente poderia se encaixar na definição de coxinha ou fascista, já expressou essa preocupação. E argumentou em brilhante artigo publicado na revista Princípios: "Um aspecto fundamental é garantir reassentamento com infraestrutura, em condições adequadas, com acesso a escola, saúde, espaços de esporte e lazer".

Serviço público "padrão FIFA" é uma bandeira "coxinha"?
Outra preocupação que nada tem de maligna é o bordão de uma parcela dos manifestantes que pede "padrão Fifa" para as áreas da saúde, educação e transporte. Ainda que seja questionável que o rótulo "Padrão FIFA" reúna condições desejáveis de oferecimento de serviços públicos, não dá pra jogar no colo da direita a aspiração pela ampliação da qualidade desses serviços. É preciso, isto sim, debater a validade e o teor da argumentação que contrapõe o investimento na Copa ao investimento em educação, saúde, transporte, etc.

É pertinente que a população se preocupe com desvios de recursos da Educação e da Saúde para a Copa. E preciso contudo, localizar esse desvio. O orçamento em 2013 para educação e saúde foi estimado em 180 milhões de reais. E o dinheiro para estádios não sai do orçamento, ou seja, não sai do governo federal. Sai de empréstimos do BNDES, que empresta não só a empresários interessados em construir arenas, mas a vários setores da economia. Lembrando sempre que empréstimo implica devolução, portanto retorno do dinheiro para os cofres do BNDES.

Outra origem do financiamento da Copa - um megaevento privado - vem de recursos indiretos como o da renúncia tributária, renúncia que o governo resolve aplicar levando em conta o interesse público, a geração de empregos, geração de renda. Não é  primeira vez que o governo faz esse tipo de renúncia. Essa é uma medida que tem ajudado a manter o Brasil numa situação de pleno emprego. Pergunte a qualquer grego em meio a crise econômica se ele gostaria de estar nessa situação e vocẽ verá a resposta.

A insistência em pintar a Copa como um mal que impede o Brasil de avançar na educação, na saúde, no transporte não se sustenta na análise concreta da realidade. Que tal substituir a negação da Copa pela disputa de seus legados? Sou parceiro na luta por reassentamentos decentes das populações deslocadas em construções da Copa e Olimpíadas. Bem como, estarei ao lado de qualquer manifestação que defenda a efetiva construção de legados para as cidades, principalmente no quesito mobilidade urbana, infraestrutura, segurança, mas ainda saúde e educação.

Quero prestação de contas sobre a efetiva construção de obras de mobilidade em Porto Alegre, por exemplo. Vai ter ou não BRT? O que está sendo feito para melhoria do trensurb, dos ônibus? Existe plano cicloviário? Todos são debates nada coxinhas.

Em relação a saúde, quero saber sobre a construção de hospitais em Porto Alegre e região metropolitana. O que vai aumentar de leitos? Como serão tratados os profissionais da saúde? No quesito educação, como o esporte será tratado na escola? Vai ter infraestrutura melhorada, construção e melhoria de ginásios, valorização do profissional da educação física? Esses são temas nada "coxinhas", que tem a ver com um projeto de nação, que eu sempre vou querer tratar.

Como se pode notar, o antagonismo binário não contribui para debater o país. Não existe bem contra o mal, e penso que haja dentro e fora do governo setores com interesses convergentes. E você? Qual é o seu interesse? Fuja dos rótulos, e antes de se mascarar pense exatamente no que você quer. Em tempos de profusa comunicação, é fácil perder-se no ruído. Navegar é preciso, mas é imprecisa a vontade que se resume a centena de caracteres da rede social, e a slogans genéricos como "contra tudo que está aí", ou "não vai ter copa". Se não quer Copa, diga claramente o que quer que tenha. Desafie-se a ir mais fundo do que o mera palavra de ordem. Na superfície não se descobre a extensão do iceberg.