segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Eliza Samudio

Pelas milhares de Elizas

Entre 1997 e 2007, cerca de 40 mil mulheres morreram vítimas de homicídio. São 10 mulheres por dia. Quantos casos ainda terão de nos chocar para que a situação mude?

A violência contra as mulheres acontece cotidianamente e nem sempre causa comoção social. O caso recente da modelo Eliza Samudio, cujo principal suspeito do desaparecimento e provável morte é o goleiro Bruno Fernandes, do Flamengo, de quem ela teria tido um filho, infelizmente é um exemplo famoso de crimes que se repetem em todo o território nacional.

Apesar da Lei Maria da Penha ter sido uma conquista, casos como esse revelam que não basta haver uma lei que proteja as mulheres se não houver capacitação dos agentes públicos que trabalham em delegacias e juizados especiais. Convém ressaltar que, já em outubro de 2009, Eliza Samudio registrou queixa contra Bruno na Delegacia de Atendimento à Mulher de Jacarepaguá, e com o conhecimento do Ministério Público do Rio de Janeiro. A acusação resultou na abertura de inquérito, e a polícia chegou a pedir à Justiça proteção a Eliza, mas nenhuma medida foi tomada até o desaparecimento dela no início de junho.

É importante refletir sobre a negligência da Justiça nesse caso. Oito meses separaram a queixa da modelo de seu desaparecimento. Isso revela um despreparo dos agentes públicos, que têm a tendência de subestimar a queixa das mulheres.

Outro ponto que chama atenção nesse caso é o profundo machismo que Bruno já havia demonstrado antes do desaparecimento vir à tona. Em declaração a imprensa sobre o fato de seu amigo, o atacante Adriano, do Flamengo, ter agredido sua noiva publicamente, Bruno disse que era normal que o homem batesse na sua mulher, e que ninguém deveria se meter nisso. Ainda persiste vivo o revoltante conceito de que o homem tem o "direito" de agredir sua mulher.

Entre 1997 e 2007, cerca de 40 mil mulheres morreram vítimas de homicídio. São 10 mulheres por dia. Os dados são do Mapa da Violência no Brasil 2010, do Instituto Sangari. O que mais choca nesse caso são os motivos das mortes. A pesquisadora da USP Wânia Izumino afirmou que boa parte dos assassinatos das mulheres são cometidos por "atuais ou antigos maridos, namorados ou companheiros, inconformados em perder o domínio sobre uma relação que acreditam ter o direito de controlar".

Quantos casos ainda terão de nos chocar para que a situação mude? Eliza Samudio, a advogada Mércia Nakashima, cujo assassino é um ex-namorado, a cabeleireira Maria Islaine de Morais, morta em janeiro diante das câmeras pelo ex-marido, alvo de oito denúncias. São símbolos de milhares de Elizas, Mércias e Marias que cobram de nossa sociedade justiça e mudança de atitudes.


* LUCIELE ALVES FAGUNDES é Mestranda em Geografia da Universidade Federal de Santa Maria.

lualfa_ceu@yahoo.com.br


2 comentários:

VBryan disse...

Será interessante entender o processo e ver o resultado de sua pesquisa nesse tema.

Sei que o tópico específico é a violência contra a mulher. Penso que, para ser relevante, terás que discriminar entre a violência específica e intencionalmente contra a mulher...ou seja, não simplesmente estatísticas onde a mulher faz parte.

O Brasil é um pais notoriamente violento, pelo menos na minha opinião. E também acredito que tem um conceito muito baixo do valor intrínsico da vida humana. Ou seja, em parte, essa estatística contra a mulher pode muito bem fazer parte de uma estatística muito maior. E nesse caso, creio que o problema da violência seja bem mais sistêmico e bem mais profundo.

Tendo já trabalhado dentro do sistema penal, e refletido a respeito, penso que um sistema ágil de penalização (seja por multa, privação de direitos, ou cârcere), pouco muda o ser e a sociedade humana.

Mudança real é bem mais radical, não de fora para dentro, e sim, a partir do pensamento e coração.

Isso não para desencorajá-la, mas sim para encorajá-la a buscar soluções mais profundas, mais endêmicas e sistemicas.

Consultor Previdenciário disse...

Realmente a omissão das autoridades é uma atitude que tem colaborado para o aumento desse tipo de crime.


VivercomSaúde