terça-feira, 16 de julho de 2013
Do Brasil de Zezé Di Camargo e Luciano ao de Michel Teló
Estava aqui matutando sobre o sertanejo universitário e nas suas diferenças do sertanejo meloso que tem como ícones Zezé Di Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó. Não só no ritmo, mas nos valores. E é justamente a mudança de valores que me fez escrever esse texto.
Quem era o eu lírico daquele sertanejo, vamos dizer, não universitário? Era um cara sentimental, que falava de um amor verdadeiro e geralmente estava sofrendo por esse amor. Ele pedia desculpa por chorar. Ele não conseguia se livrar das garras desse amor gostoso. Ele era um louco alucinado meio inconsequente, um caso complicado de se entender.
Já o sertanejo universitário, quem é? Ele é um cara baladeiro que acha o seu carro dentro da piscina e o celular no microondas da cozinha depois de uma noite de bebedeira. Ele faz questão de afirmar que não ta valendo nada, não se prende a um amor. Ele tira onda com o camaro amarelo, e profere onomatopeias dizendo que quer tchu e tcha, e tche tchererê tche tche, seja lá o que isso signifique.
Quem leu até aqui pode imaginar que eu seja um nostálgico do sertanejo antigo e passe a recriminar o sertanejo universitário. Não quero fazer esse juízo de valor. Mas vou ousar fazer um paralelo entre os valores e os momentos que o país viveu e vive. Apertem os cintos, aqui começa a viagem.
Os sertanejos melosos estouraram nos anos noventa, no auge do neoliberalismo, e eram o som preferido das classes mais vulneráveis economicamente. O tom depressivo das melodias refletia um jeito de vida triste de quem muito trabalhava e pouco recebia, e que quando muito sobrava um para a pinga no bar da esquina, pra afogar as mágoas.
O sertanejo universitário é o reflexo de outro momento. O momento de valorização do salário mínimo, popularização da universidade, aumento do poder aquisitivo da classe trabalhadora. O sertanejo universitário é a geração que viu seus pais amargurados sofrendo por amor e condições de extrema vulnerabilidade e que não querem isso para si, e não precisam disso, pois tem condições para fazer farra, tirar onda, paquerar sem compromisso, e optam por isso mesmo.
Passados dez anos de um governo que mudou a composição da sociedade, cabe muitas indagações. A que talvez resuma todas elas é: para onde vamos agora? O que queremos? Pode até ser divertido ficar doce, doce, doce, mas é preciso ter um dedo de prosa com essa meninada. Eles precisam fazer mais com essa nova condição do que só querer tchu e querer tcha.
Em entrevista a revista Princípios, André Singer provocou o conjunto da esquerda dizendo que ela não estava se dedicando tanto quanto deveria ao trabalho de ganhar corações e mentes para projetos mais avançados de sociedade. Concordo. Não basta apenas criar condições objetivas de empoderamento da classe trabalhadora. Se essa classe trabalhadora não se enxerga como sujeito político, ela pode se perder buscando mais do mesmo: a ilusão consumista e individualista que o capitalismo em crise continua vendendo.
Sem dúvida o Brasil de Michel Teló é melhor que o Brasil de Zezé Di Camargo e Luciano. Prefiro ver o povo feliz, querendo tchu e tchá, do que chorando misérias. Mas será que é só isso que queremos? Aumentar a capacidade de consumo? E os valores? E a capacidade de se preocupar com o coletivo?
As passeatas de junho demonstraram que as pessoas precisam mais do que está colocado, ainda que não haja um projeto consensual. Em julho, aqueles que não acordaram agora foram às ruas pra dizer de todas as suas lutas e bandeiras históricas. Que tal em agosto promover a síntese desses movimentos?
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