terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Copa do Mundo para além da Torre de Babel

Charge de Latuff ironiza escolha de mascote para a Copa do Mundo pelo prefeito Fortunatti em Porto Alegre: crítica implícita não pode ser classificada como "fascista" ou "coxinha"
As críticas a Copa do Mundo não podem ser colocadas num ambiente maniqueísta, como se toda e qualquer reivindicação fosse parte de um plano da oposição para derrubar o governo. Aliás, nem mesmo a "oposição" é um bloco homogêneo, assim como o governo também não é. Como poderia se esperar que as manifestações em torno do tema "Copa do Mundo" tenham qualquer homogeneidade?

Existem múltiplos interesses que às vezes se unem, às vezes se chocam. Essa é a beleza da complexidade social. Existe a mídia hegemônica, aquela famosa dominada por meia dúzia de famílias, muito simpática a ideia do quanto pior melhor. Não é a toa que a Folha de São Paulo estampa um editorial intitulado "Não vai ter Copa", bandeira que não poderia ser mais falsa. Dá pra acreditar que a mídia realmente quer acabar com um evento onde vai faturar bilhões? Dá pra realmente acreditar que esteja a mídia preocupada com um país melhor? Derrotar o governo é seu principal objetivo, a eles interessa um governo mais manipulável e dócil (ainda) a seus interesses. Afinal, Lula e Dilma ainda não enfrentaram seus interesses, mas bem que tentaram e sempre podem tentar, Venezuela e Argentina estão aí como um exemplo ameaçador aos interesses do monopólio midiático. Esse risco eles não querem correr.

Existe a miríade de grupos que se situa de alguma forma na oposição ao governo e está atuando nos movimentos sociais na perspectiva da esquerda. Há uma diversidade bem grande nesse setor. Rotulá-los simplesmente de "coxinhas" ou "fascistas", como o fazem alguns sinceros defensores do governo, é simplificar a realidade de uma maneira estranha a dialética. Aqui situam-se partidos que vão do PCO ao PSB, passando pela REDE da Marina. E tem os não-partidários. Dá pra encontrar alguma homogeneidade nisso tudo? A diversidade é tão grande que só na categoria "mascarado" há a opção dos anonymous e a dos black blocks, que são propostas completamente diferentes. Estamos falando de uma Babel de propostas, interesses, aspirações.

Não precisa muito esforço para apreender preocupações legítimas vindas dessa diversidade de críticas só em relação ao tema "Copa do Mundo". Não tem nada de "coxinha" ou "fascista" a preocupação com deslocamentos e reassentamentos de populações urbanas decorrentes de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. O Diretor da Escola de Educação Física da UFRGS, Alberto Reppold Filho, que dificilmente poderia se encaixar na definição de coxinha ou fascista, já expressou essa preocupação. E argumentou em brilhante artigo publicado na revista Princípios: "Um aspecto fundamental é garantir reassentamento com infraestrutura, em condições adequadas, com acesso a escola, saúde, espaços de esporte e lazer".

Serviço público "padrão FIFA" é uma bandeira "coxinha"?
Outra preocupação que nada tem de maligna é o bordão de uma parcela dos manifestantes que pede "padrão Fifa" para as áreas da saúde, educação e transporte. Ainda que seja questionável que o rótulo "Padrão FIFA" reúna condições desejáveis de oferecimento de serviços públicos, não dá pra jogar no colo da direita a aspiração pela ampliação da qualidade desses serviços. É preciso, isto sim, debater a validade e o teor da argumentação que contrapõe o investimento na Copa ao investimento em educação, saúde, transporte, etc.

É pertinente que a população se preocupe com desvios de recursos da Educação e da Saúde para a Copa. E preciso contudo, localizar esse desvio. O orçamento em 2013 para educação e saúde foi estimado em 180 milhões de reais. E o dinheiro para estádios não sai do orçamento, ou seja, não sai do governo federal. Sai de empréstimos do BNDES, que empresta não só a empresários interessados em construir arenas, mas a vários setores da economia. Lembrando sempre que empréstimo implica devolução, portanto retorno do dinheiro para os cofres do BNDES.

Outra origem do financiamento da Copa - um megaevento privado - vem de recursos indiretos como o da renúncia tributária, renúncia que o governo resolve aplicar levando em conta o interesse público, a geração de empregos, geração de renda. Não é  primeira vez que o governo faz esse tipo de renúncia. Essa é uma medida que tem ajudado a manter o Brasil numa situação de pleno emprego. Pergunte a qualquer grego em meio a crise econômica se ele gostaria de estar nessa situação e vocẽ verá a resposta.

A insistência em pintar a Copa como um mal que impede o Brasil de avançar na educação, na saúde, no transporte não se sustenta na análise concreta da realidade. Que tal substituir a negação da Copa pela disputa de seus legados? Sou parceiro na luta por reassentamentos decentes das populações deslocadas em construções da Copa e Olimpíadas. Bem como, estarei ao lado de qualquer manifestação que defenda a efetiva construção de legados para as cidades, principalmente no quesito mobilidade urbana, infraestrutura, segurança, mas ainda saúde e educação.

Quero prestação de contas sobre a efetiva construção de obras de mobilidade em Porto Alegre, por exemplo. Vai ter ou não BRT? O que está sendo feito para melhoria do trensurb, dos ônibus? Existe plano cicloviário? Todos são debates nada coxinhas.

Em relação a saúde, quero saber sobre a construção de hospitais em Porto Alegre e região metropolitana. O que vai aumentar de leitos? Como serão tratados os profissionais da saúde? No quesito educação, como o esporte será tratado na escola? Vai ter infraestrutura melhorada, construção e melhoria de ginásios, valorização do profissional da educação física? Esses são temas nada "coxinhas", que tem a ver com um projeto de nação, que eu sempre vou querer tratar.

Como se pode notar, o antagonismo binário não contribui para debater o país. Não existe bem contra o mal, e penso que haja dentro e fora do governo setores com interesses convergentes. E você? Qual é o seu interesse? Fuja dos rótulos, e antes de se mascarar pense exatamente no que você quer. Em tempos de profusa comunicação, é fácil perder-se no ruído. Navegar é preciso, mas é imprecisa a vontade que se resume a centena de caracteres da rede social, e a slogans genéricos como "contra tudo que está aí", ou "não vai ter copa". Se não quer Copa, diga claramente o que quer que tenha. Desafie-se a ir mais fundo do que o mera palavra de ordem. Na superfície não se descobre a extensão do iceberg. 

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