quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Saúde para todos

A inacessível ciência médica dos doutores





"Erva da natureza cura muito mais do que a ciência dos doutores, e nem se compara em sustança com os cachetes de farmácia" (Luiz Berto, in Nunca Houve Guerrilha em Palmares, Editora Mercado aberto, 1987).


Na sala de espera do Hospital Beneficiência Portuguesa, aguardando mais uma longa manhã minha mãe na cansativa peregrinação a hospitais em busca de sua cura, pus-me a refletir sobre um monte de coisas, dentre elas as palavras acima. Acho que já notaram que o livro acima era minha companhia na longa espera. Bela companhia, por sinal. Recomendo a leitura deste livro que pude achar ontem mesmo no Sebo Só Ler aqui na Praça Dom Feliciano.

Não vou falar agora do livro todo, que ainda não li, mas especificamente da passagem acima. Neste trecho do livro, uma família de camponeses da Zona da Mata de Pernambuco do inicio dos anos sessenta encanta-se por um propagandista de feira que anuncia os milagres das ervas que vende, que curam desde mal-olhado até inflamação. A mulher da família encontra-se com um problema de saúde, provavelmente uma infecção vaginal, e cogita consultar-se com algum farmacêutico que receite algum remédio para seu problema. Estão na feira entre outras coisas para isso, quando deparam-se com o propagandista que anuncia as ervas milagrosas. Então o marido e a mulher conversam de maneira muito sutil, e decidem acreditar no propagandista ao invés de procurar ajuda médica, ou ao menos farmacêutica.
Senti-me indentificado com essa cena e o conflito vivido por essa familia. Desde pequeno sempre tive uma certa desconfiança com os "doutores". Não se trata aqui de fazer apologia ao rosário de "crendices populares" que vai desde as simpatias, benzeduras, utilização de ervas medicinais, até rituais mais bem elaborados incentivados pelas religiões de matriz africana com forte inspiração nas praticas indígenas. Se trata de compreender a origem desse conflito, que nada mais é que um conflito de classes.
A classe médica historicamente é vinculada a classe dominante. A "ciência dos doutores" sempre foi de difícil acesso aos menos favorecidos economicamente. Sempre aprendi que médico é coisa de riquinho, e nunca fui riquinho pra me dar ao luxo de ter médico a disposição. Por isso a desconfiança.
Taxar essa desconfiança com a medicina tradicional de burrice é uma ideologia. Uma ideologia da classe dominante. Como pode o povo confiar na ciência dos doutores se dela dificilmente se beneficia? Como não acreditar na chamada medicina alternativa, nas crendices, pajelanças e na vasta gama de alternativas populares, se muitas vezes é só ela que abre às portas nos momentos de doença e desespero? O pobre luta com as armas de que dispõe. A medicina branca, de origem européia, dificilmente se oferece aos pobres, que mesmo assim a busca esperando em longas filas de hospital, quem sabe sua última espera...
Espero, é claro, dias melhores. Dias em que a medicina tradicional abra suas portas para os mais humildes, dias em que a saúde não seja um privilégio de poucos, e um favor prestado a quem não pode pagar. Dias em que a rica medicina popular possa olhar de igual para igual com a medicina convencional, pois com certeza tem muito a ensinar a esta. No mínimo tem a ensinar que a vida não está a venda, que ninguem tem mais direito a vida do que ninguem, que todos devem ter acesso a saúde com qualidade e dignidade.

Hoje na capital gaucha o Sindicato dos Médicos está puxando um debate contra as fundações no Sistema Unico de Saúde. A FASUBRA está se movimentando contra um decreto assinado pelo governo Lula no apagar das luzes de seu mandato. É momento de apreensão e muita leitura, pois o assunto é muito sério. Com saúde popular não se brinca, pois a necessidade é gigantesca.

Um comentário:

Fran disse...

" dias em que a saúde não seja um privilégio de poucos, e um favor prestado a quem não pode pagar".

Na verdade não deveria nem ser um favor... Todos tem direito a um atendimento digno, todos tem direito a saúde, a final de contas, todos brasileiros pagam impostos...

Aqui em minha cidade, Santa Maria/RS , independente de questões partidárias ,está havendo atos contra a possível privatização do HUSM, hospital Universitário de Santa Maria, veja as notícias:
http://www.claudemirpereira.com.br/2011/01/ufsm-docentes-e-servidores-farao-ato-publico-contra-estatal-dos-hospitais-escola/

ps: Obrigada pelos comentários em "palavrasfra-cas"